terça-feira, 21 de agosto de 2012

Lírios, observem


           Sim, lírios, observem. Vejam os homens no mundo. Eles trabalham e tecem, como já foi no passado. Assim como em séculos anteriores eles continuam a ficar ansiosos e a confiar em si mesmos para se manter. Suas forças em um momento estão no auge, em outro estão dependentes de alguém que os conduza, mas não entendem que eles nada podem por si mesmos.
            Muitos séculos se passaram e a ansiedade somente aumentou na vida de homens e mulheres. Eles querem sempre mais. Não abarrotam mais seus celeiros, pois agora o bom, o “seguro”, é ter uma bela conta bancária. Quanto mais números ela apresentar, mais seguros eles se sentem. Vamos lá, dizem eles, mais dinheiro, mais casas, mais dinheiro, mais carros, mais dinheiro, mais roupas, mais dinheiro, mais aparelhos celulares, mais dinheiro, mais gadgets, mais dinheiro, mais... apenas mais.
            O vazio continua, como no passado. As contas bancárias e os bens podem aumentar, mas só para descobrir que, ao final, a infelicidade continua. O buraco da falta de sentido tem a força gigantesca de um buraco negro no espaço. Os seres humanos continuam a se consumir, a se deteriorar moral, intelectual e fisicamente. Sim, um abismo chamando outro abismo.
            Ah, se eles tivessem fé! Onde está o grão de mostarda? Assim jamais os montes se moverão. Por que preferem carregar os fardos pesados, quando é ofertado o leve? Eles parecem desejar o deserto. A fonte de água foi apresentada aos sedentos, mas a língua contínua a se apegar ao palato. A garganta arranha e engasga o pó da enganosa autossuficiência. Ah, se tivessem escolhido a melhor parte! Essa não seria tirada deles.
            O pior cego é aquele que quer olhar para apenas uma direção, que não contempla o todo, que não agradece pelo todo. O pior cego é quem quer ver apenas o que quer ver, o que lhe convém. Mas é possível dar vista aos cegos, e é possível abrir os horizontes. É possível que eles também observem vocês, lírios. Nem Salomão se vestiu como vocês. E possível que esses cegos voluntários contemplem vocês e se alegrem, e deem graças, e vivam.

sábado, 11 de agosto de 2012

Pai - herói e bandido


                  Muita gente deve considerar que não há nada mais brega do que se emocionar ao ouvir a música “Pai”, cantada por Fábio Jr. Se eu considerar assim, sou um bregão dos bons. Essa música me toca muito. Talvez exatamente pelo fato de um trecho dela descrever muito bem como foi meu relacionamento com meu pai: “Pai, você foi meu herói, meu bandido”.
            Meu amado Oswaldo, meu querido Dinho, meu incrível pai. Ele foi meu herói ao me ensinar sobre muitas coisas, ao me deixar recostar minha cabeça no colo dele e me fazer um cafuné, ao me ensinar algumas coisas do trabalho dele (ele era um mecânico que conseguia descobrir defeitos só de ouvir o ronco do motor), ao contar das lutas que ele enfrentou na vida.
            Mas meu herói também foi meu bandido. A mão que afagou meus cabelos também chegou a segurar uma faca e desferir golpes contra o armário da cozinha, em um dos momentos de descontrole, em seu alcoolismo. Na adolescência cheguei a ir dormir, em algumas noites, temendo que meu pai fizesse alguma loucura por causa da bebida e por eu confrontá-lo pelo vício.
            Sempre sofremos as consequências das atitudes que tomamos. Meu pai faleceu por causa do alcoolismo. A cirrose hepática encerrou a vida do meu amado pai, ainda que herói, ainda que bandido. Isso aconteceu quando eu tinha 16 anos.
            Hoje sou pai dos meus amados André, Marcos e Rafael. Sei que também sou meio herói e meio bandido para eles. Sou o pai brinca de lutas com eles, que abraça e beija, que ensina inglês, que fala do Pai eterno, que faz cafuné. Mas também sou o pai que cobra, que exige, que fala em um tom mais áspero, às vezes, que manda lavar a louça (que terror!).
            Sou filho. Sou pai. Ah, que saudade de meu pai! Ah, que alegria ter meus filhos! Eu não conheci meu avô paterno. Meus filhos também não conheceram o deles. Espero que Deus, o Pai, me permita conhecer meus netos. Voltando à música de Fábio Jr., eu queria muito ter meu pai em minha casa, brincando de vovô com meus filhos no tapete da sala de estar. Mas os caminhos de Deus são mais elevados que os nossos caminhos.
            De qualquer modo, só não quero e não vou ficar mudo pra falar de amor pra você, meu herói, meu bandido, meu pai.